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Mulheres e raparigas na ciência: ainda tanto por fazer
 
No dia 11 de fevereiro, assinala-se o Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência.
 
A presença das mulheres e raparigas na ciência constitui uma inegável mais-valia para a sociedade. São inúmeros os avanços científicos feitos por mulheres, dos quais todos beneficiamos. Em áreas com evidente crescimento, como as Tecnologias de Informação e Computação (TIC), as necessidades de empregabilidade do sector só poderão ser supridas se se terminar com a subrepresentação de mulheres. Um estudo da McKinsey de 2023 diz que se até 2027 o número de mulheres em profissões TIC duplicasse, o PIB da UE aumentaria em 600 mil milhões de euros. Para que raparigas e mulheres possam dar o seu contributo, é essencial combater preconceitos e promover a sensibilização e a consciencialização.
 
Atualmente, já existem iniciativas destinadas a promover nas raparigas o gosto pelas áreas STEM (Ciências, Engenharias, Tecnologias e Matemáticas), ou para apoiar cientistas já inseridas no meio académico, e, em Portugal, o número de mulheres a concluir o ensino superior na área das ciências e tecnologias é um dos mais elevados entre os países da OCDE (37,7%, contra uma média global de 32,5%).
 
Apesar disso, as mulheres ainda enfrentam obstáculos estruturais na investigação, e muitas delas optam por não seguir a via científica devido a essas barreiras. As investigadoras que estão no início da sua carreira são particularmente afetadas por desigualdades significativas, que as levam a não passar para os escalões seguintes.
 
Em Portugal, embora as mulheres representem a maioria dos estudantes no início do curso, a sua taxa de abandono aumenta a cada etapa da vida académica. Um estudo de 2019 mostrava que no início da carreira, há uma distribuição quase equitativa ente homens e mulheres ao nível do cargo de professor/a auxiliar (54% de homens contra 46% de mulheres), mas vai desequilibrando drasticamente à medida que se sobe de escalão: 75,3% dos catedráticos são homens, contra apenas 24,7% de mulheres.
 
Entre os vários factores que explicam esta discrepância, o mérito não será um deles. Há quem acredite cegamente na meritocracia – a crença de que o desempenho é avaliado independentemente do género. E de facto, inúmeras mulheres com carreiras científicas de excelência mostram que esta é independente do género. O problema não está nas capacidades, e sim nas desigualdades daquilo que é pedido a homens e mulheres, e que faz estas últimas enfrentarem muito mais obstáculos e terem uma presença muito menor do que os homens em cargos de topo, na ciência e não só.
 
Claudia Goldin, da Universidade de Harvard, ganhou o Prémio Nobel da Economia em 2023 pela sua investigação sobre as disparidades de género no mercado de trabalho ao longo da história. Goldin verificou que a maior parte da diferença salarial entre homens e mulheres surge, em grande medida, com o nascimento do primeiro filho, com clara desvantagem para as mulheres, sobre as quais recai ainda a parte de leão nas responsabilidades domésticas e parentais.
 
Para muitas cientistas, a participação em conferências ou projectos internacionais é muitas vezes acompanhada pela pergunta: como faço com os meus filhos? O modelo actual de investigação por três a seis anos, seja uma bolsa de doutoramento ou um contrato de emprego científico, é precário para toda a gente, mas sobretudo para mulheres com filhos, que na hora de assegurar o sustento da prole não podem improvisar.
 
Recentemente, soube de uma investigadora que numa fase particularmente produtiva da sua carreira profissional, que incluía um período bastante prestigiante como Professora Visitante numa universidade norte-americana, se viu literalmente a braços com responsabilidades acrescidas, pois logo no início da estadia um dos filhos teve um problema de saúde grave, que o deixou nos cuidados intensivos do hospital durante vários dias, e agora requer cuidados médicos diários e continuados. A investigadora está sozinha no estrangeiro com os dois filhos. Os dias são passados entre as responsabilidades académicas e de investigação, e as tarefas do cuidar, que envolvem ministrar várias injeções de dia e de noite, monitorizar resultados, idas frequentes a consultas (por vezes noutra cidade), numa privação de sono que naturalmente tem efeitos muito negativos na sua saúde. Escrever livros e artigos científicos é praticamente impossível – mas os seus indicadores de produtividade serão avaliados pela mesma tabela do que os dos seus colegas homens, com ou sem filhos, que estatisticamente podem dedicar mais tempo à investigação. Neste cenário, interromper o programa de internacionalização não é uma opção, e para evitar todos os possíveis efeitos negativos na carreira, a investigadora vai empurrando o mundo com a barriga, fazendo seminários, palestras, dando aulas e escrevendo artigos, ciente de que o estrago na saúde física e mental é, muitas vezes, o preço a pagar pela conciliação familiar e laboral, num mundo em que ainda se espera que as mulheres tenham super-poderes para aguentar tudo sozinhas.*
 
Nestes tempos conturbados, em que boa parte da população está convencida (ou quer-se convencer) de que as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho não existem e/ou são fruto de perceções e de ideologias, urge mais do que nunca combater a desigualdade de género nas ciências. Há que garantir que raparigas e mulheres tenham acesso à investigação e à construção da carreira científica, da qual todos aproveitamos. Há que eliminar os obstáculos que as mulheres e raparigas enfrentam no ambiente privado, no ensino e no local de trabalho, e que as fazem desistir nalgum momento do percurso. Para que as mulheres e raparigas na ciência não tenham de ser super-mulheres, mas sim – e já é tanto – cientistas.

* a investigadora sou eu.
 
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Investigadora no INET-md