A pianista e investigadora, Sofia Lourenço, apresenta no próximo dia 20 de maio o seu novo CD, que conta com o apoio do INET-md e resulta de uma ligação de legado de interpretação pianística com a pianista/pedagoga Helena Moreira de Sá e Costa (1913-2006).
2024-05-20 | 19h30-20h30 | Biblioteca Municipal Almeida Garrett, Porto | Entrada livre, sujeita à lotação do espaço.
Sobre Caminos Andaluces:
Na Música dos compositores ibéricos do início do século XX coexiste um tom de elegância de salão cosmopolita com a coloração sonora das danças espanholas, como é o caso da Suite Ibéria (1908), talvez a obra mais importante e magnífica de Isaac Albéniz (1860-1909), da qual a presente gravação inclui virtuosos e brilhantes temas musicais. Como exemplo, Albéniz, de origem catalã, gostava de se auto-intitular de "mouro", fascinado pelo flamenco, estilo musical ao qual foi atribuído o estatuto de Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO em 2010.
As técnicas pianísticas de Albéniz, como o uso dos ritmos da dança espanhola, os floreios melódicos, as sugestões do cante jondo e do violão flamenco estão presentes na Evocation ("Prelúdio", segundo o manuscrito) numa atmosfera hispano-árabe, nostálgica, melancólica e reflexiva.
El Puerto ("Cádiz", segundo o manuscrito), inspirado na vila piscatória de El Puerto de Santa María, contrasta com a peça anterior pelo seu optimismo, agitação, luminosidade e extroversão. Alguns analistas identificam nesta obra três tipos de canções andaluzas: o polo, a bulería e a seguiriya. Em El Puerto está presente um estilo de zapateado, género flamenco espanhol em modo maior, que é dançado, mas não cantado, descendente de danças antigas como a jácara e o canario. Indicações na partitura tais como "très brusque" e "rudement marqué et bien sec" em certas passagens rítmicas, representariam o som que o dançarino de flamenco originaria com os pés. Dedicado a Marguerite Hasselmans (amiga de Gabriel Fauré), o primeiro trecho do livro III de Ibéria evoca o bairro cigano de Granada. Com as suas sinuosas e labirínticas ruas medievais, El Albaicín é um bairro mágico numa colina em frente ao Alhambra. Albéniz transmite a fragrância andaluza desde os primeiros sons dedilhados até o floreio final, passando por bulerías flamencas e cante jondo evocativo.
Nesse mesmo ano (1908) compoe Manuel de Falla (1876-1946) as Cuatro Piezas Españolas, nas quais as cores são menos brilhantes e a expressão não é tão exuberante. O conjunto é delicado, amável, poético, sem traços pitorescos excessivos, com momentos de ternura e acentos rítmicos de grande intensidade. Os contornos musicais são mais nítidos, a contenção orgulhosa e dignidade gentil da expressão musical caracterizam e impregnam a linguagem do jovem Falla, que dedica a obra a Albéniz. Esta personalidade ilustre entre os músicos espanhóis mantem uma estreita relação com Debussy, Ravel e Dukas, influências na sua música, mas continua genuinamente espanhol, combinando o intenso temperamento com o seu enorme talento composicional. Na Aragonesa sentimo-nos imersos no ritmo da jota (dança), seguindo-se o sensualismo e doçura da Cubana, procurando o autor estender o conceito de espanhol para além da Península Ibérica - o Tratado de Paris de 1898, levou ao colapso do Império espanhol, um profundo choque para a psique nacional da Espanha, concedendo a independência a Cuba. A Montañesa contrasta com as outras três obras do ciclo, num clima de placidez, evocando ecos longínquos de sinos e uma canção popular infantil. A Andaluza imita rasgos de guitarras, cantos e bailes do Sul, percussão, ritmos fortes e incisivos.
Muita oportuna e relevante é a Danza de la Gitana de Ernesto Hallfter (1905-1989), em homenagem aos 111 anos do nascimento da pianista Helena Moreira de Sá e Costa (de quem Sofia Lourenço é discípula), numa evocação do cosmopolitismo cultural dessa figura ímpar do piano português do século XX, inclusivamente através dos contactos com Hallfter, tendo sido a dedicatária da Rapsódia Portuguesa, que interpretou inúmeras vezes, algumas sob a batuta do próprio Hallfter.
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Sofia Lourenço | Pianista portuense com diversos álbuns editados e as mais elogiosas críticas nas revistas Diapason e Pianiste sobre o CD Portuguese Piano Music: Daddi / Viana da Mota (Naxos/Grand Piano, 2016). São de salientar Contemporary Portuguese Compositors - Music for Piano Solo (1999), Estudos e Toccatas de Carlos Seixas e Domingos Bomtempo (2002), Porto Romântico: Mazurkas e Romanzas (2008, reeditado em 2019) e Duo pour une Pianiste (9 Sketches for One Pianist) para Disklavier por Jean-Claude Risset (1938-2016) numa estreia mundial que lhe é dedicada (2012). Tem uma carreira activa como solista em Portugal e no estrangeiro, onde se destacam recitais em Paris (Centre Culturel Portugais, Foundation Calouste Gulbenkian, 2002), Mainz, Berlim, S. Petersburgo, Salzburgo, Viena, no Shangai Oriental Art Center (SHOAC, 2018) e no Art Link Belgrade Music Festival (2019), para além de inúmeros concertos com diversas orquestras nacionais. Estudou com Maria da Glória Moreira e Fausto Neves na Juventude Musical Portuguesa e no Conservatório de Música do Porto. Obteve diversos primeiros prémios em concursos de piano (Juventude Musical Portuguesa, Maria Campina, Covilhã, Calouste Gulbenkian/Braga, Margarida Brochado, etc). Foi, simultaneamente, discípula de Helena Moreira de Sá e Costa, tendo sido também orientada por nomes como Laszlo Simon, Georg Sava, Sequeira Costa, Vitaly Margulis e Alicia de Larrocha. Obteve um diploma de solista na Universität der Künste Berlin (1988-1991) como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian. É licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela FLUP (Universidade do Porto) em Estudos Ingleses e Alemães (1993). É Mestre em Performance (Universität der Künste Berlin, 1993), doutorada em Música e Musicologia (Universidade de Évora, 2005) - uma tese sobre as escolas de piano europeias - e fez um pós-doutoramento na Universidade Católica Portuguesa (CITAR, 2013-2016, como bolseira da FCT). Como programadora, desde 2021, atuou e co-organizou o ciclo Música e Romantismo do Museu Romântico no Museu da Cidade (Porto) e o ciclo O Som e a Palavra aos Jovens Pianistas. É investigadora do INET-md (NOVA-FCSH) e do CITAR-UCP e professora de piano na ESMAE/IPP desde 1991, exercendo funções de professora coordenadora com agregação. Obteve o título de agregada em Ciências da Informação pela Universidade Fernando Pessoa em 2023 com a temática A Performance Musical nas Escolas de Piano Europeias: Construindo uma Análise Multimodal. No mesmo ano, foi-lhe atribuída a Medalha de Mérito da Câmara Municipal do Porto.
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