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Comunicado | Posição do INET-md sobre assédio
O Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos em Música e Dança (INET-md) vem declarar a sua solidariedade com as mais de oitenta mulheres, ligadas ao mundo do jazz, bem como a outros campos musicais e indústrias criativas que, em Portugal, têm vindo a denunciar situações de abuso de poder, de violência e de assédio sexual.
Associamo-nos, assim, às preocupações já manifestadas pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e pela Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas.
Assinalam-se, hoje, os 25 anos do Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Apesar do tempo decorrido, sabemos que a maioria de situações de violência contra mulheres, raparigas e meninas permanece por reportar, sobretudo quando esta tem implicações sexuais.
Sabemos também que o desenvolvimento do quadro jurídico sobre estas matérias enfrenta vários limites, entre os quais aqueles impostos por uma cultura de impunidade, a coberto de um certo pacto de silêncio de quem testemunha estas formas de violência, e dos riscos de estigmatização e represálias que recaem sobre as denunciantes, como se vê pela proliferação recente de processos por difamação na sequência de denúncias de abuso e assédio sexual.
Sem desconsiderar a presunção de inocência como pedra basilar do Estado de Direito, é necessário que haja espaço para que as pessoas sobreviventes de todas as formas de violência sexual possam reagir e denunciar, sem medo de serem acusadas de difamação ou serem alvo de represálias. E sem que, para tanto, sejam forçadas a um escrutínio e a uma exposição pública, que tantas vezes as desacredita e reitera a violência original.
Conforme apontado por diversos relatórios e publicações científicas, a violência e o assédio sexual configuram-se como problemas endémicos em vários contextos musicais, sendo frequentemente descritos como generalizados, sistémicos e normalizados. Em contextos predominantemente masculinos e heteronormativos, a combinação de misoginia e sexismo históricos, ausência de regulamentação, relações informais e de codependência, além da precariedade laboral, contribuem para a perpetuação da desigualdade de género e da violência sexual neste sector.[1]
No INET-md, a criação recente de uma linha temática de investigação dedicada a "Estudos de Mulheres, Género e Sexualidade" reflete a nossa atenção a estas matérias, que consideramos merecedoras de estudo e reflexão.
Consideramos também necessário que instituições de ensino e de investigação, estruturalmente atravessadas por assimetrias de poder e várias formas de desigualdade, tomem medidas concretas para sustentar uma mudança significativa. Esta poderá passar, primeiro, por assegurar a segurança de todos os seus elementos, e por acolher um repertório de práticas que alarguem a capacidade de escuta e de cuidado, acolhendo melhor a expressão de formas de sofrimento nem sempre fáceis de articular. Saudamos, por isso, a existência de canais de denúncias nas Instituições de Ensino Superior em que nos inserimos,[2] bem como noutras instituições. Urge quebrar a cultura do silêncio e garantir que todas as pessoas que se sintam vítimas de assédio, e outras formas de abuso, saibam que a sua voz será ouvida e que são interlocutoras válidas na construção de outras formas de educar, criar, estudar e fazer investigação.
[1] Raine, S. (2019). “Keychanges at Cheltenham Jazz Festival: Issues of gender in the UK Jazz scene”. Em Catherine Strong & Sarah Raine (Eds.),Towards Gender Equality in the Music Industry: Education, Practice and Strategies for Change. Londres: Bloomsbury Publishing Inc.: 187-200. DOI: 10.5040/9781501345531.ch-014 (disponível em acesso aberto); McCarry, M., Käkelä, E., Jones, C. & Manoussaki, K. (2023), “The sound of misogyny: sexual harassment and sexual violence in the music industry”, Journal of Gender-Based Violence, 7 (2), pp. 220-234. DOI: 10.1332/239868021X16784676224611.
[2] Portal de denúncias da Universidade Nova de Lisboa, Canal de denúncias da Universidade de Aveiro, Canal de denúncias do Instituto Politécnico do Porto, Canal de denúncias da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa.